segunda-feira, março 23, 2009

OS OBSTÁCULOS DO YOGI, segundo Patañjali

Nos sútras 30 e 31 do primeiro capítulo dos Yoga Sútras, Patañjali apresenta-nos os 9 obstáculos com que o praticante se pode deparar no seu caminho em direcção a kaivalya (libertação) e os seus 4 sintomas.

Marisa em mayúrásana



.Vyádhistyánasamshayapramádálasyaviratibhrántidarshanálabdhabhúmikatvánavasthitatváni chittavikshepáste ' ntaráyáh //30//

.Doença, inércia, dúvida, negligência, preguiça, volubilidade, equivocação, inconstância e instabilidade. Estas 9 distracções mentais são os obstáculos //30//
"Estes 9 obstáculos provocam a dispersão da mente. Eles aparecem junto com as flutuações da consciência. Na ausência deles os vrittis não se manifestam."

De facto os Yoga Sútras são um tratado fundamental para todo o praticante e estudioso de Yoga. Patañjali fornece-nos instruções precisas e valiosas sobre vários assuntos relacionados com o trabalho interior a desenvolver pelo praticante. Neste caso apresenta-nos os 9 obstáculos que podem aparecer no caminho do yogi. São como pedras que o yogi terá que saber contornar depois de as reconhecer. Esse reconhecimento é-nos facilitado pelos sintomas que surgem relacionados com os obstáculos (veremos quais são no seguinte sútra).

Saber a existência destes obstáculos e que muitos yogis, antes de nós, já os encontraram e souberam superá-los de certa forma conforta e tranquiliza o praticante iniciante. Passemos então a uma pequena exposição de cada um dos 9 obstáculos:


Vyádhi - "Doença é o desequilíbrio dos doshas [humores corporais], as secreções e os órgãos do corpo." Se o veículo (corpo físico) adoece, o condutor não poderá ir muito longe. Para o yogi o corpo físico é a ferramenta base para o seu caminho e tudo deve fazer para mantê-lo saudável. Uma boa alimentação, respeitar os ritmos do corpo, descansar bem, manter o corpo e mente purificados, etc., são algumas das coisas fundamentais a ter em conta. Estando doente, as energias do praticante esgotam-se na doença em vez de se concentrarem no sádhana (prática).

Styána - "Inércia é a falta de preparo ou incapacidade da mente." Neste estado letárgico o praticante não tem objectivos, caminho ou entusiasmo (não confundir isto com o estado de realização onde o yogi não mais tem desejos ou objectivos. Aqui falamos da falta de vontade em praticar ou realizar acções que o façam progredir e desembaraçar-se da ignorância). A sua mente e intelecto tornam-se entorpecidos devido à inactividade. Esta inércia não faz florescer nada, como acontece com as águas estagnadas. Pode dever-se a comer muito e/ou mal, temperaturas muito frias, ou simplesmente razões mentais.

Samshaya - "Dúvida é o pensamento disjuntivo, como "pode ser isto" ou "pode não ser isto". Esta dúvida é diferente do trabalho de auto-estudo (svádhyaya) que o praticante deve desenvolver, questionando, perguntando, duvidando para poder progredir no seu caminho. Aqui a dúvida toma o sentido de indecisão, onde o praticante não sabe se há-se ir por ali ou por aqui, se deve praticar ou não, se confia no ensinamento, no mestre, na vida... No início é normal haver dúvidas, mas uma vez encontrado o caminho há que ter shraddha (confiança) naquilo que lhe é ensinado e especialmente na ordem que está por detrás de tudo. Om sarvam vai púrnam (tudo está perfeitamente bem).

Pramáda - "Negligência é não pensar nos processos de concentração". Pramáda também pode ser entendido como indiferença e insensibilidade. Esta é uma pessoa cheia de orgulho, falta-lhe humildade ao pensar que sozinho pode chegar longe, julga-se sábio quando não o é. Tende a escolher o que é prazeroso para satisfazer os seus desejos e sonhos, muitas vezes sem escrúpulos sacrificando os que se coloquem na sua frente, apenas pela gratificação pessoal. Ter pressa e ambição para conquistar o nosso objectivo (mesmo sendo kaivalya) também pode ser considerado pramáda. É importante dar tempo para praticar, estudar e assimilar o Yoga.

Álasya - "Preguiça é a falta de disposição que surge da letargia do corpo e da mente." Este é daqueles obstáculos fáceis de perceber. Aquela preguiça que nos dá pela manhã e que nos diz para ficarmos na cama mais uns minutos em vez de irmos praticar. A preguiça que adia para amanhã a prática e o estudo que podemos desenvolver hoje e a mesma preguiça que arranja sempre alguma boa desculpa para não fazer algo que sabemos que deve ser feito e que ainda por cima nos é benéfico. Muita energia e entusiasmo são necessários para remover este obstáculo. A nossa atitude deve ser semelhante à de quando estamos enamorados e fazemos de tudo para estar com a nossa amada... nessas alturas onde está a preguiça?

Avirati - "A volubilidade surge do apego aos objectos mundanos." É o satisfazer o desejo pelos objectos sensoriais. Com a prática de pratyáhára (recolhimento dos sentidos) o yogi ganha liberdade em relação ao apego a estes objectos, tornando-se sereno e tranquilo. Cultivar viveka (discernimento) ajuda-o a perceber o mundo de forma objectiva, retirando pouco a pouco o valor subjectivo anteriormente dado a esses objectos.

Bhránti darshana - "As concepções erróneas são conhecimento falso." Outras palavras que descrevem este obstáculo são ignorância, arrogância, equivocação. Trata-se de uma distracção da mente baseada em algo não verdadeiro, conhecimento inválido. Com a mente dominada pela arrogância fica difícil o praticante reconhecer a sua ignorância e o muito que ainda tem a aprender. É fundamental manter a humildade, a simplicidade e procurar a companhia daqueles que detêm o conhecimento para que nos possam guiar e clarificar.

Alabdha bhúmikatva - Inconstância. "A falta de preseverança é a impossibilidade de se estabelecer firmemente em algum dos estágios do Yoga." O praticante tem por vezes vislumbres do que pode ser a sua Natureza Real, mas ainda lhe falta escalar mais um pouco para ver com claridade e de forma permanente. Muitas vezes, quando vemos que ainda há caminho para percorrer, podemos ficar desapontados e desanimados pensando coisas como "eu pensava que era isto, que já tinha chegado e afinal não.... agora acho que já não tenho força nem vontade para continuar... não consigo mais".

Anavasthitattva - "A instabilidade para permanecer no estado conquistado na prática vincula-se ao fracasso em manter esse estado [de concentração]." Anavasthittva é a falta de força e poder para manter um determinado estado alcançado. Muitas vezes é o orgulho resultante das coisas que já alcançou que torna o yogi fraco e frouxo no seu sádhana (prática). É preciso não afrouxar para não perdermos aquilo que já alcançámos, são precisos anos (vidas quiçá) de esforço e determinação para retirar as malhas da ilusão, mas basta uma acção ou um pensamento equivocado para estragar o trabalho feito. Há que manter-nos firmes no sádhana até ao dia em que, em estado de liberado, as acções aconteçam espontâneamente de acordo com a ordem universal.


Agora os sintomas:
. Duhkhadaurmanasyángamejayatvashvásaprashvásá vikshepasahabhuvah //31//

. Sofrimento, desespero, instabilidade física e respiração irregular surgem desses obstáculos. //31//

Os sintomas são estes. Ao senti-los é certo que estamos na presença de um ou mais obstáculos. São consequência dos obstáculos. Estes "acompanhantes" dos obstáculos são manifestações físicas e por isso mais fáceis de perceber do que os outro 9. Quando nos damos conta de um destes sintomas é uma pista para sabermos que algo se passa num plano mais subtil.

Observar estes sintomas pode servir como um lembrete de que perdemos temporariamente o nosso foco e assim poder voltar a recuperá-lo.

Duhkha - Dor ou sofrimento. "O sofrimento é de 3 tipos: ádhyátmika (surge no interior da pessoa), ádhibhautika (surge no relacionamento com os demais) e ádhidaivika (provocado pelos fenómenos naturais)."

Daurmanasya - Desespero, depressão. "O desespero acontece quando os desejos não são preenchidos ou quando as expectativas não se concretizam."

Angamejayatva - Instabilidade física. Tremor do corpo.

Shvásaprashvásá - Inspiração e expiração (está implicito uma irregularidade no processo de inspirar e expirar). "A respiração irregular surge de uma mente dispersa, não concentrada."




Nota: Todas as partes em itálico são extractos de comentários de Vyása (importante comentador dos Yoga Sútras), com tradução para português do Prof. Pedro Kupfer.