segunda-feira, dezembro 15, 2008

AS FOTOS DO RETIRO DE YOGA NA CASA DA EIRA

5 a 8 de dezembro de 2008

Um retiro mais instrospectivo e intimista, onde as práticas e o conhecimento tiveram outra força... um muito obrigado às pessoas que participaram e à Tina, a nossa anfitriã.














terça-feira, dezembro 09, 2008

O propósito do Hatha Yoga - por Miguel Homem



Aonde se propõe chegar o Hatha Yoga?

A Hatha Yoga Pradípiká diz-nos:

“O Yogi Svátmáráma, depois de saudar solenemente a deidade e seu guru, estabelece, desde o início, que o ensinamento do Hatha Yoga é somente um meio para a realização do Rája Yoga.” (I-2)

E a Gheranda-Samhitá:

“Curvo-me perante Ádíshvaráya que ensinou, no início, a ciência do Hatha Yoga, a ciência que representa o primeiro degrau da escada que leva à suprema altura do Rája Yoga.” (verso introdutório ao capítulo I)

Ao ler estas passagens naturalmente surge a dúvida: será que o Hatha Yoga não estará à altura de outros Yogas? Será um Yoga menor? A passagem seguinte da Hatha Yoga Pradípiká pode esclarecer-nos:

Rája Yoga, samádhi, unmaní, manomaní, amaratava, láyá, tattva, shúnyashúnya, paramapáda, amanaska, advaita, niralámba, nirañjana, jívanmukti, sahaja e túriya são sinónimos.” (IV, 3-4).

Esta passagem parece-me especialmente relevante por vários motivos. Em primeiro lugar ajuda-nos a compreender o sentido dos versos iniciais da Hatha Yoga Pradípiká e da Gheranda Samhitá. A referência ao Rája Yoga enquanto objectivo do Hatha é feita não em relação ao método, mas em relação ao fim, ao estado final a alcançar. Depois mostra-nos a identidade entre vários conceitos de estados que, à primeira vista, poderiam parecer distintos. Assim, Rája Yoga e samádhi são tidos como equivalentes. De entre os citados vejamos outros com maior interesse para o nosso estudo.

Unmaní, manomaní são conceitos tipícos do nátha sampradáya e definem o estado de negação da mente (un-maní) ou posto de outro modo, o estado de consciência além da mente (mano-maní). Nomes diferentes para designar o que Patañjali apelidou de asamprajñáta samádhi ou nirvikalpa samádhi. Veja-se a Hatha Yoga Pradípiká (IV, 60-62).

Tattva, a realidade, é uma composição do Vedánta mahávakhya Tat tvam asi, ou seja, uma das grandes afirmações das Upanishads, tu és aquilo, a identidade entre o jíva e Brahman. “Eu sou Brahma, Eu não sou mais nada, Brahma sou certamente Eu; Eu não participo da tristeza, Eu sou existência, consciência., felicidade, sempre livre, de uma só essência”, diz a Gheranda Samhitá (VII, 4), um dos textos clássicos do Hatha Yoga.

Advaita, não dualidade, é o qualificativo da doutrina monista ensinada por Adi Shankarachárya, segundo a qual existe apenas uma realidade independente e eterna, BrahmanBrahman é satyam, tudo o resto é mithyam. Brahman é absolutamente real, tudo o resto depende dele para a sua existência.

Turíya, foi descrito na Mándukhya Upanishad (7) como o que está além dos três avasthás, vigília, sonho e o sono profundo, o átman. A consciência inerente aqueles estados, mas vista da sua própria perspectiva, sem referência a qualquer nome e forma (námarúpa), é chamada de turíya. Turíya é nome da pura consciência.

Por aqui se percebe que a busca o Hatha Yoga é também a busca do conhecimento Aham Brahma’smi, Eu sou Brahman, e que as suas técnicas mais não buscam do que esse conhecimento.


“Somente o Conhecimento (Jñána) é eterno. Ele não tem início nem fim. Não existe nada fora ele. A aparente diversidade do mundo é resultante da limitação dos sentidos. Quando esta limitação desaparece, apenas o Conhecimento, e somente ele, resplandece.” Shiva Samhitá (I,1).


Deixo por fim, esta passagem do Gorakshabodha, um texto atribuído a Gorakshanátha na forma de diálogo entre este e o seu mestre Matsyendranátha
[1]:

Gorakshanátha: Como pode alguém alcançar o samádhi? Como pode alguém libertar-se dos factores perturbadores? Como pode alguém adquirir turíya? Como pode alguém tornar o seu corpo imutável e imortal?

Matsyendranátha: O jovem entra em samádhi através da mente; ele liberta-se das perturbações através do alento vital? Ele adquire turíya através da atenção e conhecimento (jñána) e obedecendo e voltando-se para o Guru, ele alcança a imortalidade.” (67,68).



[1] A tradição do Sanatana Dharma associa a criação do Hatha Yoga a Matsyendranátha e ao seu discípulo Gorakshanátha.








*Miguel Homem pratica e ensina Yoga no Porto. Edita o site: www.dharmabindu.com



Não deixem de consultar dois textos sobre Hatha Yoga escritos pelo Pedro Kupfer aqui e aqui

segunda-feira, novembro 10, 2008

ÁKÁSHA NAMASKÁR

Ákásha - o 5º elemento segundo o Yoga e o Ayurveda; éter; espaço; o que tudo penetra.

Namaskár – saudação.

O ákásha namaskár nasceu a meios de 2007, já não me lembro bem o porquê e o como. Talvez a necessidade de “criar” uma sequência com as bases do súrya namaskár mas com outro tipo de movimentos, mais laterais, mais equilibrio, e assim poder activar outras partes do corpo e aperfeiçoar o equilibrio entre o movimento e a respiração.

Nas primeiras vezes que o fiz a sensação de calor foi imediata e após poucas sequências ficava com o corpo banhado em suor… o mesmo aconteceu com os alunos quando apresentei esta saudação nas aulas. Sempre que o faço fico com uma grande sensação de leveza, talvez pelo tipo de movimento semelhante a ondas ou meio espiralado…

A origem do nome vem do facto dessa sensação de espiral, como se explorasse todos os tipos de movimento com o corpo, penetrando em todos os espaços… e assim o que me veio à cabeça foi o nome ákásha.

As bases são as mesmas do súrya namaskár: respiração sussurrante (ujjayí), activação do assoalho pélvico (múla bandha) e do baixo ventre (uddiyana bandha) e fixação ocular (drishtis) durante toda a sequência coordenada com a respiração (vinyasa krama).

Este artigo não pretende explicar a correcta execução dos ásanas, ou a forma de respirar ou ainda a execução das outras técnicas auxiliares. O objectivo é apresentar a sequência de forma simples e compreensível. Para um estudo mais aprofundado recomendo que aprenda o ákásha namáskar ao vivo e a cores com o seu professor.

Após 1 ano e meio de experiências e ajustes apresento-o pela primeira vez no papel. Quero agradecer aos praticantes e professores amigos pelas dicas e feed-back. Espero que desfrutem muito…


Ákásha Namaskár






1 - Tadásana ou samasthiti: Coloque-se em pé na frente do seu tapete com os pés juntos ou ligeiramente afastados, feche os olhos e mantenha as palmas das mãos juntas na frente do peito (añjali mudrá). Faça uma respiração profunda e sintonize-se com o corpo, respiração e bandhas. Lembre-se que o mais importante é cultivar uma atitude de observação desapegada durante a prática. Expire todo o ar…

2 - Úrdhva hastásana: Inspire e eleve os braços pelos lados, fazendo uma tracção da coluna. Se não criar tensão nos ombros junte as palmas das mãos e fixe o olhar nos polegares.

3 - Virabhadrásana III: Expire e mantendo o alinhamento anterior baixe o tronco e os braços, elevando a perna esquerda. Mantenha os braços, tronco e perna esquerda paralelos ao chão e a outra perna perpendicular. Todo o corpo bem activo.








4 - Virabhadrásana I: Inspire dando um passo largo para trás com o pé esquerdo ao mesmo tempo que eleva o tronco e junta as palmas das mãos (se não criar tensão nos ombros, caso contrário deixe as mãos um palmo afastadas entre si). A perna da frente fica dobrada, coxa paralela e joelho direito ao nível do tornozelo, enquanto que a perna de trás estica ou fica ligeiramente dobrada. Ao dar o passo evite colocar o pé de trás em linha com o pé da frente, coloque-o ligeiramente para o lado esquerdo para ter mais equilíbrio e facilitar a entrada no próximo ásana.

5 - Parshvottanásana: Expirando coloque o calcanhar do pé esquerdo no chão, ficando com o pé em diagonal. Estique ambas as pernas, mantenha o tronco voltado para a frente enquanto junta as palmas das mãos atrás das costas (paschima namaskár). Flexione o tronco sobre a perna direita mantendo o pescoço longo e as coxas bem activas. Todo o movimento é feito numa só expiração.

6 - Utthita parshvakonásana: Inspire dobrando a perna direita (coxa paralela, perna vertical), mão direita no chão do lado de fora do pé direito (palma da mão ou ponta dos dedos), tronco o mais lateral possível e o braço esquerdo bem esticado alinhado com o tronco e perna de trás. Olhe a mão lá em cima.







7 - Ekapáda Adho Mukha Shvánásana: Numa expiração leve ambas as mãos ao chão, paralelas entre si, enquanto tira perna direita para trás e para cima. Aproxime o tronco da perna esquerda e mantenha, dentro do possível, uma linha diagonal entre braços, tronco e perna direita. Coxas bem activas, cintura não roda, pescoço longo, ombros afastados do pescoço.

8 - Ardha Úrdhvadhanurásana*: Inspire flexionando um pouco a perna elevada (direita) passando-a para trás do corpo em direcção da mão esquerda ao mesmo tempo que tira a mão direita do chão. O pé direito pode ficar mais perto do pé esquerdo (mais suave) ou a meio caminho entre a mão esquerda e pé esquerdo (mais forte). O calcanhar direito fica erguido, a perna flexionada empurrando o corpo para cima. Perna esquerda bem esticada e planta do pé no chão. Braço direito esticado para cima e para trás e tronco em direcção do tecto.

9 - Vashishthásana: Expire e rode o tronco 180º, ficando agora com a mão direita no chão e o pé direito na frente do pé esquerdo ou por baixo do pé esquerdo (como está na foto). O braço esquerdo fica elevado na vertical, alinhado com o outro braço. Mantenha o tronco em linha com as pernas sem subir ou baixar os quadris e fixe o olhar na mão elevada.






10 - Parshva Chandrásana*: Com uma inspiração longa dobre as pernas para agarrar o dedo grande do pé direito com a mão esquerda, trazendo o pé para a frente. Pouse o joelho esquerdo no chão e mão esquerda sobre a perna ou calcanhar esquerdo. Pélvis baixa, joelho direito ao nível do tornozelo da mesma perna, tronco lateral e braço direito esticado por cima da cabeça. Fixe o olhar no pé lá atrás.

11 - Ardha Chandrásana: Expire pousando as pontas dos dedos da mão direita no chão, um pouco à frente e ao lado do pé direito, enquanto estica a perna direita, eleva a perna esquerda esticada para trás e o braço esquerdo na vertical. Braços em linha vertical, planta do pé esquerdo voltada para trás e dedos desse pé voltados para o mesmo lado do peito.

12 - Utkatásana (variação): Durante a próxima inspiração flexione as pernas, junte os pés, pontas dos dedos das mãos no chão, tronco esticado e pescoço longo. Todo o corpo bem activo.






13 - Pashásana (variação): Expire mantendo as pernas ainda flexionadas, coxas paralelas ao chão, junte as palmas das mãos (añjali mudrá) e coloque o cotovelo direito pressionando a coxa esquerda, ajudando na torção do tronco. Os antebraços ficam em linha, os joelhos permanecem juntos sem deslizarem um no outro e o pescoço roda na direcção do ombro esquerdo.

14 - Úrdhva hastásana: Inspire e eleve o tronco e os braços pelos lados até à verticalidade, esticando as pernas. Faça uma tracção longa da coluna, mantendo o cóccix apontado para os calcanhares e o olhar nos polegares das mãos juntas.

15 - Tadásana ou samasthiti: Expire e recolha as mãos em añjali mudrá terminando o ákásha namaskár.

Agora repita toda a série para o outro lado. Pode experimentar permanecer algumas respirações em cada postura, tendo sempre a atenção de entrar e sair do ásana com a respiração adequada, ou seja, se entra num ásana com inspiração já sabe que terá que sair com expiração e vice-versa.

* Os nomes que escolhi para estes dois ásanas não estão “institucionalizados”. Então tentei arranjar um nome que não ficasse mal de todo. Espero não ter feito grande asneira…

Atenção

Estas dicas não substituem um professor de Yoga. São disponibilizadas apenas para que o praticante possa aprimorar sua técnica. A prática sob a supervisão cuidadosa de um instrutor preparado e competente é essencial para o sucesso na prática, bem como para evitar lesões. O autor não se responsabiliza pelo mal uso que possa ser feito destes textos.

domingo, novembro 09, 2008

RETIRO DE YOGA na Casa da Eira

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quinta-feira, outubro 30, 2008

terça-feira, setembro 02, 2008

ÍSHVARA PRANIDHÁNA


O significado e o contexto

Segundo António Renato Henriques [1], íshvara pranidhána traduz-se como “depositar diante do Senhor” (íshvara = Senhor, pra = diante, nidhána = depositar). Íshvara pranidhána pode ter vários significados conforme os contextos mas são sempre derivações de: “entrega ao Senhor”, “aceitação da vida”, “dedicação a todos os actos”, “auto-entrega”, “renunciar aos frutos da acção (pois todo o acto é dedicado a Íshvara)”. No bom português costuma dizer-se “que seja o que Deus quiser”, na Bhagavad Guitá aparece-nos a expressão “bhavitam bhavati eva”: aquilo que tiver que ser será.

Íshvara pranidhána aparece nos Yoga Sútras de Patáñjali como sendo um dos cinco niyamas que, por sua vez, são um dos oitos angas (partes) do Ashtanga Yoga codificado pelo sábio. Esses oito angas são: yama, niyama, ásana, pránáyáma, pratyáhára, dháraná, dhyána e samádhi. Os cinco yamas e cinco niyamas são a ética do Yoga, os pilares onde assenta a prática e a vida do yogi. Traduzimos niyama como prescrição, são os elementos de auto controle que dizem respeito à vida interior do yogi e à forma como se relaciona e harmoniza com a vida em geral e com a verdade transcendente.

Como último dos niyamas aparece-nos íshvara pranidhána que, pessoalmente, gosto de traduzir como “entrega à vida”. O que se entrega ou deposita perante a vida ou se preferirmos, perante íshvara, são as próprias acções. Mas antes de nos debruçarmos sobre íshvara e como aplicar este conceito na prática do Yoga e na própria vida, vejamos o seu contexto nos yoga sútras.

“A supressão [da identificação com os vrittis consegue-se através da] prática constante e do desapego.” Yoga Sútras, I-12 [2]
“[O samádhi pode também obter-se] pela entrega a íshvara.” YS, I-23

Patáñjali começa por nos ensinar que através de abhyása (prática constante) e de vairágya (desapego) se consegue o estado de Yoga ou samádhi (segundo o comentador Vyása: Yoga é samádhi), e que esse samádhi está próximo para aqueles que o anseiam muito. Em caso de insucesso nessas duas práticas ou falta de motivação, ele apresenta outro meio, íshvara pranidhána, para chegar ao mesmo fim.

Mais à frente diz-nos: “esforço sobre si próprio, auto-estudo e entrega a Íshvara constituem o Kriyá Yoga.” YS II-1
Patáñjali apresenta-nos outra prática para chegar ao mesmo fim, o kriyá yoga, e novamente íshvara pranidhána faz parte das técnicas.

Finalmente, Patáñjali propõe ainda o Ashtanga Yoga, sistema pelo qual ficou conhecido, para destruir aquilo que nos condiciona e nos faz sofrer e assim levar-nos à libertação. Como já referi antes, também aqui íshvara pranidhána aparece, fazendo parte dos niyamas.

É de realçar o facto de íshvara pranidhána, a “simples” entrega à vida, aparecer nas três práticas apresentadas por Patáñjali como meio para chegar ao Yoga, apesar da dedicação e esforço que os yogis empregavam ao utilizar a grande variedade de técnicas ao seu dispor para se libertarem.


O conceito de Íshvara

“Íshvara é um Purusha especial, incólume às aflições, aos resultados das acções ou às latências provocadas por elas.” YS, I-24
“Não estando limitado pelo tempo, Íshvara é o guru dos mais antigos mestres.” YS, I-26

Íshvara é a potencialidade da consciência individual (purusha, o si-mesmo individual). Ele funciona como um arquétipo do yogi, uma referência ideal a ser seguida por quem se aventura na senda do Yoga. Verificando que os yogis daquela época recorriam a íshvara para obter o samádhi, Patáñjali não podia deixar de o referir nos seus yoga sútras. Assim, o sámkhya (filosofia naturalista) apresentado nos sútras de Patáñjali assume uma conotação dualista, afastando-se um pouco do sámkhya ateísta que não reconhece a existência de íshvara.

Íshvara é então um purusha especial, não afectado pelo tempo nem espaço, não influenciado pela angústia e suas fontes (ignorância, egotismo, paixão, aversão e apego à vida). Suas acções não produzem reacções, não guarda impressões, é sempre livre e consciente da sua liberdade. A grande diferença entre íshvara e purusha (individuo) é que enquanto íshvara não é dominado pelo poder de projectar de máyá (a ilusão de nomes e formas), purusha sim, ao conceber-se como uma personalidade egóica, um conjunto mente-ego-corpo limitado.

No advaita vedanta (corrente não-dualista), íshvara pode ser entendido como o absoluto não-dual associado ao seu poder de velar (máyá). Para o Tantra ele é o bindu, ponto a partir do qual o universo se expande e se recolhe.

Mas mais importante que a especulação que se possa fazer em torno do significado de íshvara, o importante mesmo é a prática de íshvara pranidhána por parte do praticante. Ao fazer esta entrega ou devoção a íshvara, a essa ideia de não-limitação e não-ilusão, a senda do Yoga torna-se favorável ao yogi e este realiza o seu objectivo, o de libertar-se ainda em vida.


Íshvara pranidhána no sádhana e no dia-a-dia

Sendo íshvara pranidhána uma prática que leva ao samádhi (ou se preferirmos ao Yoga) por si mesma, como encaixá-la na nossa prática pessoal?

O primeiro que temos que entender e perceber é: a quem se destina a prática, quem a realiza e quem a desfruta? Os mestres ensinam-nos que podemos escolher as acções mas não os seus frutos e que na prática somos aquele que observa e testemunha (sakshi) as experiencias e seus efeitos acontecerem.

Ao praticarmos não devemos estar presos a qualquer expectativa nem tão pouco apegarmo-nos aos resultados que possam surgir das técnicas. Íshvara pranidhána acontece quando entregamos o fruto da prática ao verdadeiro agente, quando aceitamos e compreendemos que não podemos mudar o passado nem prever o futuro. Ao entendermos que existe uma inteligência superior e universal que cuida e faz fluir a vida, então podemos nos entregar por completo.

Na minha opinião a técnica yoganidrá (relaxamento yogi) é aquela em que mais facilmente podemos aplicar e entender o conceito de íshvara pranidhána. Essa técnica que vai muito além do relaxamento depende basicamente da nossa capacidade de nos entregarmos e abandonarmos. É como se fossemos uma bóia ao sabor da maré, onde o movimento voluntário cessa e encaixamos no fluir natural do cosmos.

Tudo se faz e tudo sucede por si mesmo. Assim, o ser humano em nada toca e nada lhe afecta, ele não gera acções. Quando entendemos que não podemos prever os resultados e que a vida tem seu próprio rumo, aceitamos as coisas como são e vivemos de forma mais desapegada (vairágya).

Íshvara pranidhána implica também shraddha (confiança). Confiar que tudo está bem, confiar no processo de existência para podermos nos entregar sem medos nem receios. Confiar também no professor de Yoga que escolhemos para nos ensinar e nos próprios ensinamentos milenares que nos são passados.

Tudo isto muda a nossa obsessão pelo “eu”, pelo ego que se assume tantas vezes como o responsável pelas acções e cobra seu desfrute. Praticar íshvara pranidhána torna-nos mais humildes, esvazia-nos daquilo que não interessa e nos condiciona deixando espaço para a serenidade e paz.

Ao longo dos anos que pratico Yoga fui me apercebendo que realmente há muito pouca coisa que controlo, se é que controlo algo. O coração bate, o sangue corre, a respiração acontece, os pensamentos sucedem-se, sem que eu faça muito por isso, a vida simplesmente acontece. E assim também acontece com o meu sádhana diário. As técnicas vão se sucedendo, relaxo quando não consigo executar algumas delas mas também quando o domínio acontece. É muito interessante e revelador para mim quando por vezes caio de um ásana (postura) que julgava já ter dominado na perfeição ou quando alguma parte do corpo se lesiona por falta de bom-senso-ánanda. Isso recorda-me do que é essencial e torna-me mais humilde.

Nas palavras de Feuerstein [3]: “A devoção e entrega deixa-nos abertos à sensação de que há algo cuidando de nós. Percebemos o vínculo que interliga todas as coisas e sustenta todo este universo.”




[1] António Renato Henriques. Yoga e Consciência, Editora Rígel, Porto Alegre, 2001.

[2] Pedro Kupfer. Formação em Yoga, módulo 1, Yoga Bindu, Mariscal 2006. Todas as traduções dos Yoga Sútras foram retiradas da mesma fonte.

[3] Georg Feuerstein. A Tradição do Yoga, Editora Pensamento.

Outra bibliografia:

Pedro Kupfer. Yoga Prático, Fundação Dharma, Fevereiro 2001, Florianópolis.

Sesha. Advaita Vedanta, Gaia Ediciones, 2005.

sexta-feira, julho 25, 2008

MAYÚRÁSANA

Mayúrásana


Mayúra = pavão
Mayúrásana = postura do pavão


O nome desta posição deve-se, não só ao facto das semelhanças físicas com o pavão, mas principalmente porque se diz que este tem um sistema digestivo muito forte, fazendo parte da sua dieta animais venenosos (como certas cobras, insectos, repteis e escorpiões). Ele é capaz de digeri-los sem efeitos adversos. O mayúrásana aparece descrito na Hatha Yoga Pradipiká e na Gheranda Samhitá que, como se sabe, são 2 dos mais importantes tratados de Hatha Yoga e onde o número de ásanas apresentado é bem reduzido.

Dicas de execução


1- Inicie o mayúrásana sentando-se sobre os calcanhares, no chão, (virásana) com os joelhos afastados.
2- Apoie as palmas das mãos no chão com os dedos voltados para trás, de forma que as mãos fiquem entre os joelhos.
3- A posição das mãos varia conforme o conforto e o que se quer trabalhar a nível de dedos e pulsos. Assim, pode optar por: ficar com os polegares para a frente e os demais dedos para trás; todos os dedos para os lados; apoiar-se sobre as pontas dos dedos; apoiar-se sobre os punhos fechados; palmas no chão com os dedos para a frente; mãos em diagonal para trás.
4- Dobre os cotovelos e baixe o tronco até apoiar o abdómen nos cotovelos, ficando com o tronco paralelo ao chão.
5- Mantenha os cotovelos os mais juntos possível.
6- Os antebraços ficam perpendiculares ao solo e os braços horizontais.
7- Se as pernas estiverem muito juntas a tendência é ficar com o tronco inclinado (rabo para cima, cabeça para baixo). Na hora de tentar sair, muitas vezes o praticante vai com a cabeça ao chão. Separe-as até sentir o apoio do abdómen nos cotovelos mantendo a linha do tronco paralela ao chão.
8- O abdómen apoia-se nos cotovelos e o tórax na parte posterior dos braços.
9- Expire deslocando o peso do corpo suavemente para a frente (sem cair) e tirando as pernas para trás e para cima.
10- A posição se completa esticando as pernas e ficando com o corpo paralelo e recto como um bastão, apenas apoiado nos cotovelos.
11- Mantenha as pernas, coxas e costas activas.
12- Procure abrir o peito. Rode os quadris para que o cóccix aponte na direcção das pernas esticadas.
13- Ao permanecer no ásana mantenha os braços firmes e activos para que os cotovelos não se separem.
14- Alongue o pescoço e respire normalmente sem reter o ar.
15- Utilize todo o tempo o ujjáyí pránáyáma (respiração sussurrante), o múla bandha (activação do assoalho pélvico) e uddiyana bandha (elevação do baixo ventre).


Aperfeiçoando o mayúrásana



1- Repita os passos de 1 a 8 descritos anteriormente.
2- Coloque a testa no chão e estique primeiro uma e depois a outra perna para trás, com os dedos dos pés voltados para baixo e os calcanhares elevados. Mantenha as pernas activas, sem baixar os quadris.
3- Faça aqui 3 a 5 respirações profundas.
4- Eleve uma das pernas e faça outras 3 a 5 respirações, baixe e repita para outro lado.



5- Com os pés no chão tire a cabeça alongando o pescoço (3 a 5 respirações).
6- Finalmente experimente tirar os pés completando o mayúrásana (3 a 5 respirações), reveja os passos 9 a 15 do texto anterior.


Ekahasta mayúrásana (apoio do abdómen num só braço)



1- Construa a posição como no mayúrásana tradicional, a diferença é que vai apoiar o abdómen apenas num dos cotovelos.
2- Coloque o cotovelo o mais ao centro possível. Pode explorar vários locais, bem por baixo da linha das costelas é um ponto sensível mas estimulará bastante o fígado e vesícula biliar (lado direito) e o pâncreas e baço (lado esquerdo). Entre a crista ilíaca e o centro é talvez o ponto mais acessível e menos doloroso.
3- Apoie a mão que fica livre ao lado no chão. Pode optar por colocar o antebraço para maior estabilidade. Se não encontrar logo o ponto de equilíbrio experimente vários pontos no solo onde apoiar a mão ou o antebraço.
4- Para entrar no ásana siga as “dicas de execução” aplicando-as a esta variação.
5- Uma boa forma de permanecer mais tempo para poder ganhar estrutura e receber os efeitos do ásana é manter os pés no chão com as pernas esticadas.
6- A tendência é o corpo tombar para o lado do braço onde está apoiado. Active as costas para manter o tronco paralelo e direito.
7- Dobre as pernas no início para facilitar o ponto de equilíbrio.
8- Com a prática estique as pernas e teste o seu equilíbrio tirando a mão de apoio do chão. Este é o completo ekahasta mayúrásana.
9- Faça primeiro com o cotovelo direito apoiado e depois com o esquerdo, facilitando o processo digestivo.


Outras sugestões:

Experimente usar um cinto de yoga para ajudar a manter os cotovelos próximos. Se tem um bom padmásana aproveite-o no mayúrásana, isso lhe permitirá uma maior estabilidade facilitando a permanência.


Efeitos do mayúrásana

Melhora a digestão; ajuda na eliminação de toxinas de forma a que substâncias prejudiciais não circulem nem fiquem armazenadas; purifica o sangue; alivia a prisão de ventre, estimulando a actividade dos intestinos; estimula o fígado, a vesícula biliar, os rins e o pâncreas (útil para quem sofre de diabetes); cura doenças estomacais; revitaliza todo o organismo; fortalece grande parte dos músculos do corpo (pernas e coxas, costas, abdómen e tórax, braços, antebraços, pulsos...); devido à pressão dos cotovelos na cavidade abdominal retarda-se o fluxo de sangue nessa zona, assim quando se liberta a pressão, um fluxo de sangue fresco invade os órgãos digestivos, purificando-os e regenerando-os, o coração é massajado. Elimina as disfunções provocadas pelo desequilíbrio entre vata, pitta e kapha. A nível emocional e mental desenvolve a força de vontade e auto-superação. Energeticamente actua sobre idá e pingalá nádí (ekahasta mayúrásana) e sobre sushumná nádí (mayurásana tradicional) promovendo o despertar da kundaliní.
Gosto de brincar com o nome desta posição dizendo que é o “mayorásana”! Este ásana eu não dispenso na minha prática.


Contra-indicações:

Consulte o seu médico e professor de Yoga antes de tentar este ou outro ásana. Recomendamos especial atenção a pessoas com hérnia inguinal, doenças cardiovasculares, hipertensão, grávidas, fragilidade ou problema nos pulsos.

Atenção
Estas dicas não substituem um professor de Yoga. São disponibilizadas apenas para que o praticante possa aprimorar sua técnica. A prática sob a supervisão cuidadosa de um instrutor preparado e competente é essencial para o sucesso na prática, bem como para evitar lesões. O autor não se responsabiliza pelo mal uso que possa ser feito destes textos.



segunda-feira, julho 14, 2008

AS FOTOS DO YOGA VIVEKA

Karuna - 4, 5 e 6 de julho 2008